sábado, 19 de setembro de 2009

Estupidamente

Cyd Charisse

Segunda-feira. Nublada. Chuvosa. Fria para uma manhã de dezembro. E eu estupidamente feliz! Ridiculamente feliz, embora o país inteiro começe a derramar lágrimas a cada fio de cabelo que cair da Camila na melocarmática novela das oito!


Com certeza, dói mais ver a decrepitude da Ingrid* de não mais usufruir do canto da Daia, de tesoura em punho, cerceando-a e, ironicamente, entoando:


“quando é tempo de tosquia
já clareia o dia
com outro sabor...
as tesouras cortam
em um só compasso,
enrijecendo o braço
do esquilador”


Putz! Esta foi tétrica! Dolorosa!
Mas voltando ao “estado estúpido de felicidade” acho que decorre na proporção gradativa do amor que sinto por mim. É. Infelizmente gosto de mim. Estupidamente, mas gosto. Mais agora depois dessa explosão siliconada de bonecas plásticas, mais admiro o músculo glúteo ou mamário “explodido” pelo trabalho do próprio. Pelo menos sem o risco de rejeição, retoques, défict em conta bancária, etc... Isto sem falar naquela droga maravilhosa da endorfina que o silicone não proporciona, e na dúvida cruel se fui selecionada por meus neurônios ou pelas tetas plásticas!


Intelectualmente poderia produzir mais e melhor! Mas pra quê? E a liberdade? Onde ficaria? Com certeza iria pro escambau!

Deixem-me no anonimato (liberdade)!

Financeiramente poderia estar ótima! Mas no Brasil, os riscos são grandes! Os impostos engolidores! As tarifas, sugadoras de qualquer sopro cardíaco ou de qualquer maior pretensão. Os ladrões do colarinho branco e dos “sem colarinho” estão aí mesmo em todos os jornais diariamente. Pelo menos ainda não se iniciou neste país o “seqüestro-relâmpago” de usuários de bicicletas...he he he!

Aos amigos com alma de criança, as portas da casa permanecem abertas; as panelas de barro limpas para a confraternização: o fogo da lareira aceso pra iluminar a noite; e as taças congeladas à espera do tinto seco.

Aos amigos de alma pesada, a minha distância e uma oração.

Espiritualmente, vim do paraíso, vivi na terra, estive nos infernos, subi aos céus, desci pra curtir mais o terreno, e estou agora em cada grão do universo _ num estado crescente de anti-agnosia.

Amorosamente.... Bem, amorosamente, sou egoísta, possessiva, ambiciosa, insaciável, quero tudo do melhor, do mais, do sempre, do bom, da coragem, da pressa, da fome, do impulso...até extrair da vida a energia maior.

E isso eu estou tendo. Intensamente.

Tantrismo ainda não! Deixem para a próxima!

*gatinha persa

04/12/2000

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

* De Como Ser Pai



A cada vez que eu os olho, vem-me à lembrança um trecho de Clarice Lispector _ “como pudera dar à luz...”
Assim como a personagem de Clarice assombrava-se ante o horror de seus filhos e netos, assombro-me eu ante estas duas criaturinhas que crescem e se aperfeiçoam diante de meus olhos. Vendo-as dormirem, como agora estão, (e quantas vezes já vi esta mesma cena) na quietude deste Sábado, sem luz, apenas com um grotesco candeeiro, um tricô deixado de lado, percebo a riqueza, a essência de tudo.
Há cinco anos atrás, quando ele nasceu, toda a supremacia da felicidade me fora dada a conhecer; cada contração, cada movimento, cada sinal de impaciência, não era dor _ era alegria. Uma alegria contida, encerrada, pronta a explodir num choro vigoroso e olhar curioso. Quando o colocaram sobre meu peito, envolto em panos brancos com os olhos muito abertos, eu ria, ria muito; tinha vontade de comer, beber, dançar e tagarelar e contar pra todo mundo da coisa maravilhosa que era fazer um filho nascer, ou melhor, ajudar, participar com ele desde o seu primeiro movimento de ser. E ela era. Estava ali. Perfeito!
Levou tanto tempo pra falar! Dois anos e meio. Achei que seria mudo. E quando começou, falava tudo errado. Uma graça! Lembro da sua primeira reprimenda. Ele tinha sete meses. E as flores da mesinha da sala eram uma tentação. Foi seu primeiro “tapinha” na mão, mas valeu. Em qualquer casa que fosse, jamais mexia no centro da mesa. Foi seu primeiro “não” imposto pelo mundo dos adultos, o primeiro de uma longa série. Com o passar do tempo ele foi se tornando voluntarioso, corajoso e independente sem ainda ter completado três anos: mesmo sem falar. Os mudos também prezam a liberdade.
Foi aí que começaram as fases das fugas. Tinha saudades do pai e fugia para vê-lo. Foi na véspera de seus três anos que ele fugiu com a colher da batedeira, com a cara toda lambuzada de merengue. Tem seus defeitos também. É preguiçoso. Pro banho, pra tirar a roupa, pra vesti-la, pra calçar os sapatos e pra buscar e fazer coisas. Gosta muito de saber o que há dentro das coisas, por exemplo, o que tem dentro do fogo, do pão, do cachorro, da chuva, da pedra e das coisas mais impossíveis. Putz! Foi aí que eu notei que a Universidade não tinha ensinado nada disso!
Houve um tempo que quando ele vinha dormir na minha cama, achava qeu tinha que tirar as calças do pijama, e quando eu perguntava o porquê, ele dizia: “O Duda também tira!”
Foi mais ou menos aí que ele notou a mania que tínhamos de vesti-lo sempre com pijamas _ se dormíamos sem, por que ele deveria vestir?
Desde que nasceu eu adorava vê-lo adormecer e pensava em horrores que poderia vir a acontecer com ele, como desastres, morte, guerra (sempre fico deprê à noite). Pensava muito se ele chegaria a conhecer a guerra, se esta chegasse um dia a tirá-lo de mim... Ainda penso muito nisso e me apavoro do mesmo jeito. Vendo-o adormecido eu me enternecia tanto, chorava muitas vezes por ter alguém tão lindo, tão perfeito. Suas mãozinhas eram perfeitas, seu cabelo louro, seu rostinho de anjo, seu coração tão pequeninho batendo, funcionando como Deus queria, todos os órgãos trabalhando como uma maquininha sem nenhum defeito, e eu só tinha que chorar de ver tanta perfeição.
Foi um ano antes de eu engravidar dele, que eu o “conheci” na figura de um menino de 12 anos. Esse menino era tão lindo, tão lindo, um ariano tão esperto que eu disse pra mim mesma: é assim que eu quero o meu primeiro filho; igualzinho a este! Tudo. Olhos, cabelo, sorriso, pele, altura, vivacidade, carisma. E tá ficando igualzinho, cada vez mais àquele menino!
Às vezes, eu penso que Deus está sendo maravilhoso demais comigo, me dando o filho que eu queria. Sim, porque ele é justamente o que eu quero que seja e faço para que seja. É como se eu já soubesse que ele seria assim. Vejo isto quando ele se atira na água numa felicidade, num riso, quando ele faz peraltices e penso comigo “ele vai se sair bem”! Quando ele faz suas perguntas maravilhosas que me deixam sem resposta, e quando me beija tanto, tanto, que me sufoca. Quando se senta à beira do mar e fica pensativo, olhando o horizonte, sozinho, se parece comigo. Quando corre na areia da praia descalço, dum lado pro outro, rindo feliz, o cabelo ao vento, me vejo feliz...
E agora, que ele está estudando, toda a despedida é uma tortura pra ele, e no fundo, eu quero parecer liberada, mas sei que estou começando a perdê-lo _ ele achou uma mãe substituta, os coleguinhas novos, talvez eu mesma esteja transmitindo-lhe esta insegurança que se apresenta sempre na hora de deixá-lo na escola. Num dia desses, ele nem chorou na despedida, vi a maneira como ele correu para a professora, atirou a merendeira longe (arrebentando a alça) e, num salto, se atirou num abraço da professora. Eu comecei a perdê-lo. Ele está partindo pro mundo.
Muitas vezes tenho vontade de fazê-lo bebê e niná-lo, adormecê-lo, muitas, muitas vezes. Às vezes, lhe pergunto por que ele não pára de crescer, que ele já está grande demais pro meu colo. Um dia desses notei que eu nem o beijava mais tanto como antes. Então eu pensei se todas as mães já pensaram nisso um dia, e o que elas fizeram? Se pararam de beijar seus filhotes porque eles cresciam, ou se se ligaram mais no conforto que lhes deviam dar? Condeno a última hipótese. Conforto ajuda até o ponto da sobrevivência, o resto é falso. Brinquedos elétricos e sofisticados atraem a atenção deles por um tempo mínimo e porque são demonstrados na TV. Mas duvido que tenham tanta importância, tanto amor, tanto carinho como os mais simples que se pode fazer com histórias desenhadas por nós e contadas, dramatizadas. Têm mais vida, mais encanto que um trenzinho elétrico. Bolinhas de sabão, pandorgas, balões feito de dobraduras, bonecos emendados de papel... Sem falar nas suas pedrinhas, conchas e tampinhas eternamente nos bolsos...
E seus bolos de aniversários? Existe magia maior que os bolos de aniversários? Encomendá-los é muito prático. Fazê-lo de papelão e cobri-los com merengue é uma idéia genial, mas vazia! Um papelão! Mas fazer a massa, pedir-lhes o leite da geladeira, deixá-los bater um pouco, ou deixá-los ligar a batedeira é a parte mais doce de uma festa de aniversário. Depois a cobertura, então, nem se fala! E o motivo principal que enfeitará o bolo, imaginado com carinho, idealizado com esmero, mesmo que a festa em si, para os outros seja uma droga, mas para eles será o máximo. Porque eles participaram, eles fizeram, eles viram amor. E isto é o que conta.
Eles terão uma vida toda baseada no consumo. Tudo deverá ser comprado; tudo deverá ser pago pra ser adquirido visando uma satisfação pessoal. E duvido que, mais tarde, qualquer outra satisfação pessoal lhes sejam tão caras como as que lhe damos na infância.

* O título deveria ser: “De Como ser Mãe”. Mas está correto. É como ensinando os filhos homens que os ensinamos a ser bons pais.


30/5/1980

Bolo de Laranja & Café Preto




Foi assim: ela pôs a mala preta sobre a cama, abriu-a, o couro parecia velho, gasto, meio ressecado pelo tempo, e uma tristeza grande sobre seus ombros pesavam como o peso do mundo. Abriu a gaveta com as roupas tão bem ordenadas, perfumadas com mini-sabonetes, e foi tirando-as e as dispondo na mala. Poucas roupas para três dias no campo. Pegou uma lingerie de dormir preta, cheirou-a, perfumada _ era doce seu gesto _ assim como quando se prepara a mala de um nenê preste a nascer ou para uma lua-de-mel.
É. Mais parecia uma lua-de-mel. Ela ia se banhar de mel; satisfazer de doçura o seu corpo cansado, sua alma fraquejada, doída...
Não conseguira dormir à noite depois de arrumar a mala. Deitou na rede no escuro do pátio com as luzinhas faiscantes do Natal iluminando a noite. Sentia-se estranha, esquisita, assim como um tornado que está para acontecer, e o ar fica diferente do sempre.
No Sábado, ela viajou. Imaginava-se uma louca indo passar um Natal com desconhecidos, tão longe, nem tinha certeza que eles a viessem buscar como tinham combinado _ na Quebrada Funda_ em Jaquirana! E se não viessem?
Melhor nem pensar no pior!
Ela sempre fora assim! Quando uma nuvem negra passava por sua cabeça, ela espantava com seu espanador de penas! E as coisas sempre acabavam dando certo.
Vai ver que é por isso que os índios usam uma argola de penas! Dizem eles que é para espantar os espíritos (ou as nuvens negras)!
Ela foi e voltou três dias depois. Voltou diferente. Tudo estava diferente a sua volta.
O que ela encontrou lá? O que a tornara tão diferente?
Encontrou uma parte de sua vida. Nem foi tanto pela manada de búfalos da qual teve que se esconder na estrada; nem pelo sorro que vislumbrou no alto da colina; nem pelo leão encontrado pelo dono da fazenda ou pelas centenas de sapos que vinham na noite até os seus pés...
Mais precisamente fora porque já estivera ali em sonhos; já tinha visto aquelas pessoas, , o lugar, as moitas em forma de pirâmides feitas de madeira, jamais tinha visto isto em lugar algum! E ali estavam, tudo a sua frente como naquele sonho de um ano atrás. Os arrepios percorriam seu corpo e tocavam os sentimentos mais desencontrados. Já devia estar acostumada com estas ocorrências...isso ocorria desde seus 15 anos! Mas quando ela pensa que tudo acabou, que não mais vão acontecer..Bum! A surpresa!
O mais lindo de tudo foi a completa comunhão com o lugar, os animais, os cavalos, a mata, os riachos, as cascatas...e o Milênio!
Milênio com seus olhos quase humanos, que pedia por um carinho a cada dez passos. Empacava. E lá tinha ela que fazer-lhe um cafuné! Do contrário, nem pensar em andar!
Tinha esse nome porque nascera na virada do milênio. Mas seus olhos eram muito especiais! Muito humanos. Chegava a dar medo.
O filho do dono da Fazenda tinha ido buscá-la na Quebrada Funda numa F-1000 azul. Foi uma hora de viagem por estradas totalmente esburacadas e por pontes quase decadentes até chegarem à Fazenda. A cada quilômetro percorrido, vislumbrava-se uma Fazenda perdida no meio de tanto mato. Ele falara durante quase todo o tempo, dizendo o quanto era apaixonado pelo lugar e de todas as coisas que ela poderia fazer por ali: pescar, nadar, cavalgar, bla, bla, bla...Até que ele tocou no nome mágico_ Cambará. Ela olhou pra ele surpresa. Lembrou do sonho. Ele estava no sonho. Naquele sonho de um ano atrás! Achou doidera e não pensou mais no assunto. Chegando lá, as outras coincidências foram se fazendo e foi se acostumando com a antiga idéia de que ela já estivera ali. Ou que viajara no tempo. Vai saber!
Hoje, apenas uma coisa é real.
Ela morre de saudade de voltar lá, de se embrenhar no mato no lombo da égua, sentir os velhos arranhões dos pinheiros nas pernas, apear à beira de um riacho, deixar a égua matar a sede, sentar sobre um tronco e ficar escutando o silêncio e os pássaros.
Ela morre de saudade de galopar pelas colinas e sentir o vento, o sol, a vida! De tocar a manada cavalgando junto com o dono da fazenda lhe dirigindo com os cães na retaguarda.
Saudade daquele bolo caramelado de laranja, do café preto e do queijo que a estavam esperando na tarde da chegada.
Saudade de tantas coisas.

Coisas simples. Puras.

2003




quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Atômico



Como luzes que despontam
Em deserto árido,
Sem oásis,
Luzes que ferem
Destroçam,
Estilhaçam
Em mil cacos
E fragmentos coloridos.
E minhas mãos
Te procuram,
Incessantemente
Em meio a tantas luzes
Cegas, trôpegas
Querendo te alcançar.
Árida realidade.
E encontram os cacos,
sangram,
choram,
na dor de te perder.


06/1994