sexta-feira, 18 de setembro de 2009

* De Como Ser Pai



A cada vez que eu os olho, vem-me à lembrança um trecho de Clarice Lispector _ “como pudera dar à luz...”
Assim como a personagem de Clarice assombrava-se ante o horror de seus filhos e netos, assombro-me eu ante estas duas criaturinhas que crescem e se aperfeiçoam diante de meus olhos. Vendo-as dormirem, como agora estão, (e quantas vezes já vi esta mesma cena) na quietude deste Sábado, sem luz, apenas com um grotesco candeeiro, um tricô deixado de lado, percebo a riqueza, a essência de tudo.
Há cinco anos atrás, quando ele nasceu, toda a supremacia da felicidade me fora dada a conhecer; cada contração, cada movimento, cada sinal de impaciência, não era dor _ era alegria. Uma alegria contida, encerrada, pronta a explodir num choro vigoroso e olhar curioso. Quando o colocaram sobre meu peito, envolto em panos brancos com os olhos muito abertos, eu ria, ria muito; tinha vontade de comer, beber, dançar e tagarelar e contar pra todo mundo da coisa maravilhosa que era fazer um filho nascer, ou melhor, ajudar, participar com ele desde o seu primeiro movimento de ser. E ela era. Estava ali. Perfeito!
Levou tanto tempo pra falar! Dois anos e meio. Achei que seria mudo. E quando começou, falava tudo errado. Uma graça! Lembro da sua primeira reprimenda. Ele tinha sete meses. E as flores da mesinha da sala eram uma tentação. Foi seu primeiro “tapinha” na mão, mas valeu. Em qualquer casa que fosse, jamais mexia no centro da mesa. Foi seu primeiro “não” imposto pelo mundo dos adultos, o primeiro de uma longa série. Com o passar do tempo ele foi se tornando voluntarioso, corajoso e independente sem ainda ter completado três anos: mesmo sem falar. Os mudos também prezam a liberdade.
Foi aí que começaram as fases das fugas. Tinha saudades do pai e fugia para vê-lo. Foi na véspera de seus três anos que ele fugiu com a colher da batedeira, com a cara toda lambuzada de merengue. Tem seus defeitos também. É preguiçoso. Pro banho, pra tirar a roupa, pra vesti-la, pra calçar os sapatos e pra buscar e fazer coisas. Gosta muito de saber o que há dentro das coisas, por exemplo, o que tem dentro do fogo, do pão, do cachorro, da chuva, da pedra e das coisas mais impossíveis. Putz! Foi aí que eu notei que a Universidade não tinha ensinado nada disso!
Houve um tempo que quando ele vinha dormir na minha cama, achava qeu tinha que tirar as calças do pijama, e quando eu perguntava o porquê, ele dizia: “O Duda também tira!”
Foi mais ou menos aí que ele notou a mania que tínhamos de vesti-lo sempre com pijamas _ se dormíamos sem, por que ele deveria vestir?
Desde que nasceu eu adorava vê-lo adormecer e pensava em horrores que poderia vir a acontecer com ele, como desastres, morte, guerra (sempre fico deprê à noite). Pensava muito se ele chegaria a conhecer a guerra, se esta chegasse um dia a tirá-lo de mim... Ainda penso muito nisso e me apavoro do mesmo jeito. Vendo-o adormecido eu me enternecia tanto, chorava muitas vezes por ter alguém tão lindo, tão perfeito. Suas mãozinhas eram perfeitas, seu cabelo louro, seu rostinho de anjo, seu coração tão pequeninho batendo, funcionando como Deus queria, todos os órgãos trabalhando como uma maquininha sem nenhum defeito, e eu só tinha que chorar de ver tanta perfeição.
Foi um ano antes de eu engravidar dele, que eu o “conheci” na figura de um menino de 12 anos. Esse menino era tão lindo, tão lindo, um ariano tão esperto que eu disse pra mim mesma: é assim que eu quero o meu primeiro filho; igualzinho a este! Tudo. Olhos, cabelo, sorriso, pele, altura, vivacidade, carisma. E tá ficando igualzinho, cada vez mais àquele menino!
Às vezes, eu penso que Deus está sendo maravilhoso demais comigo, me dando o filho que eu queria. Sim, porque ele é justamente o que eu quero que seja e faço para que seja. É como se eu já soubesse que ele seria assim. Vejo isto quando ele se atira na água numa felicidade, num riso, quando ele faz peraltices e penso comigo “ele vai se sair bem”! Quando ele faz suas perguntas maravilhosas que me deixam sem resposta, e quando me beija tanto, tanto, que me sufoca. Quando se senta à beira do mar e fica pensativo, olhando o horizonte, sozinho, se parece comigo. Quando corre na areia da praia descalço, dum lado pro outro, rindo feliz, o cabelo ao vento, me vejo feliz...
E agora, que ele está estudando, toda a despedida é uma tortura pra ele, e no fundo, eu quero parecer liberada, mas sei que estou começando a perdê-lo _ ele achou uma mãe substituta, os coleguinhas novos, talvez eu mesma esteja transmitindo-lhe esta insegurança que se apresenta sempre na hora de deixá-lo na escola. Num dia desses, ele nem chorou na despedida, vi a maneira como ele correu para a professora, atirou a merendeira longe (arrebentando a alça) e, num salto, se atirou num abraço da professora. Eu comecei a perdê-lo. Ele está partindo pro mundo.
Muitas vezes tenho vontade de fazê-lo bebê e niná-lo, adormecê-lo, muitas, muitas vezes. Às vezes, lhe pergunto por que ele não pára de crescer, que ele já está grande demais pro meu colo. Um dia desses notei que eu nem o beijava mais tanto como antes. Então eu pensei se todas as mães já pensaram nisso um dia, e o que elas fizeram? Se pararam de beijar seus filhotes porque eles cresciam, ou se se ligaram mais no conforto que lhes deviam dar? Condeno a última hipótese. Conforto ajuda até o ponto da sobrevivência, o resto é falso. Brinquedos elétricos e sofisticados atraem a atenção deles por um tempo mínimo e porque são demonstrados na TV. Mas duvido que tenham tanta importância, tanto amor, tanto carinho como os mais simples que se pode fazer com histórias desenhadas por nós e contadas, dramatizadas. Têm mais vida, mais encanto que um trenzinho elétrico. Bolinhas de sabão, pandorgas, balões feito de dobraduras, bonecos emendados de papel... Sem falar nas suas pedrinhas, conchas e tampinhas eternamente nos bolsos...
E seus bolos de aniversários? Existe magia maior que os bolos de aniversários? Encomendá-los é muito prático. Fazê-lo de papelão e cobri-los com merengue é uma idéia genial, mas vazia! Um papelão! Mas fazer a massa, pedir-lhes o leite da geladeira, deixá-los bater um pouco, ou deixá-los ligar a batedeira é a parte mais doce de uma festa de aniversário. Depois a cobertura, então, nem se fala! E o motivo principal que enfeitará o bolo, imaginado com carinho, idealizado com esmero, mesmo que a festa em si, para os outros seja uma droga, mas para eles será o máximo. Porque eles participaram, eles fizeram, eles viram amor. E isto é o que conta.
Eles terão uma vida toda baseada no consumo. Tudo deverá ser comprado; tudo deverá ser pago pra ser adquirido visando uma satisfação pessoal. E duvido que, mais tarde, qualquer outra satisfação pessoal lhes sejam tão caras como as que lhe damos na infância.

* O título deveria ser: “De Como ser Mãe”. Mas está correto. É como ensinando os filhos homens que os ensinamos a ser bons pais.


30/5/1980

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