sexta-feira, 21 de novembro de 2008

As Negras


Amo as Negras. Sou quase loira de olhos verdes, mas amo as Negras.



Há muito tempo elas me atraem. Desde quando alguma delas sentava ao meu lado no ônibus ou na lotação; não importava a idade, o físico, gorducha ou magra, jovem ou idosa, maltrapilha ou não... algo me atraía. Nem bastava olhar, mas sentir aquele ímã puxando...e eu ia caindo, de soslaio, escorregando devagarinho, até sentir o calor do corpo ao lado, e ali eu me quedava, usufruindo, curtindo quietinha aquela energia...


Isso acontecia lá pelos meus 13, 20, 30 anos...por aí.


Foi depois disso que eu descobri as Negras com todo o seu potencial, sofrimento, luta, garra, paixão, sensualidade...


O primeiro amor foi Sarah. Sarah de carnes fartas, lábios grossos e nariz batatudo; Sarah era violenta, forte na expressão; seu peito a dor gostosa que deixava transparecer na voz. Mas foi escutando “If You Went Away” que a sua doçura se derramava. Ou em “Bridges” num dueto com Milton Nascimento; depois vieram Alberta, Tina, Nina Simone, Ella, Bilie... e me afundei gostoso nos seus regaços, qual neta que descobre a fofura do corpo caliente e macio da avó...


A negras velhas têm uma doçura inexplicável que emana de suas gorduras, de suas curvas abundantes, de seu olhar amoroso, talvez cinzelado de anos ou séculos de dores...


Se eu tivesse o dom de um Renoir, pintaria apenas gordas negras; ou então, à sombra de um Degas, trocaria a fluidez das bailarinas com certeza..


Mas acho que nenhuma negra me fez tanto chorar como aquela modelo somaliana, hoje radicada nos EUA, que fez de sua dor a luta de muitas mulheres orientais – a castração a que são submetidas desde os 10 anos de idade....


04/04/2000 .

domingo, 14 de setembro de 2008

Lago






As minhas toalhas velhas
Se empilham amaciadas
Pelos omos detergentados
Se familiam atrás do tempo
Macio de desbotado.

Tranqüilidade.








sábado, 5 de julho de 2008

Honey Come Back




Ela tinha dessas coisas, de escolher sem saber por que, de sonhar sem entender a finalidade, de falar palavras soltas e mais tarde acontecerem ...Para alguns ela podia parecer maluca, mas na sua maluquice ela encontrava o caminho. Difícil os outros entenderem. Ela quase nunca teve muitas dúvidas ou indecisões. Bastava apenas sentar, mergulhar na imensidão do caos e a luz aparecia, clareando o negro; e se na escuridão ela permanecia, logo em sonhos a estrada se abria!Para que, então, se preocupar?Pena que ela tenha aprendido isto tão tarde, depois de tantos anos; depois de tantas noites insones, de tanto porre; depois de tantas unhas roídas... Ah, se ela soubesse isto aos dezoito, aos vinte! Por que ela não tivera uma mãe que lhe mostrasse isto! E se tivesse tido, ela teria lhe seguido as palavras? Jovens são tão impacientes...
Quando ela esperava seu primeiro filho, ainda não tinha o nome para o bebê, e ansiosa pensava, pensava e a nenhuma conclusão ela chegava.Foi então que ela sonhou que seu filho nascia e se chamava "Tuim"! Imagina se isso lá é nome de criança, pensava ela. Mas o nome era muito estranho mesmo. Não tivera dúvidas, correra ao dicionário _ Tuim existia! Ela nunca ouvira falar! Era o nome de um pássaro!Algumas espécies vivem mais ao norte do Brasil e nas Guianas; seu habitat são as florestas; se alimentam de sementes de girassóis, açafrão, cereais, nozes, verduras, tâmara e figo. Todo verde e brilhante na face.Os Tuins deslocam-se velozmente. A melhor defesa que possuem é ficarem imóveis e calados, fixando com os olhos o perigo que supõe existir. Vivem rigorosamente aos casais que, ao que se sabe, permanecem unidos por toda a vida. Criam seus filhotes em ninhos velhos de joão-de-barro, em ocos cupinzeiros. O número de filhotes pode ser estimado por observação do casal voando, que já foi observado de até 8 filhotes. Os filhotes separam dos pais apenas quando estes começam de novo a cruzar. Medem 12 cm, seu peso é de apenas 26 g. É o menor psitacídeo do Brasil. O macho tem grande área azul na asa e no baixo dorso; a fêmea é totalmente verde, sendo amarelada na cabeça. O tuim passa gritando felicidade mostrando.
Qualquer semelhança era mera coincidência...O Tuim trouxera tanta, mas tanta felicidade, que ela decidira repetir a dose! Ela sempre achara um casal de filhos perfeito! Mesmo porque o Tuim não sabe viver sozinho como já se viu. Quisera então programar uma femeazinha para o Tuim...que se concretizou só dez meses depois!De novo, sem um nome definido, tinha que ser especial, mulher sempre é um ser especial, e ela tinha certeza que seria menina! Naquela época, não havia essas novidades de DNA, ultrassom, filho sempre era uma surpresa na hora de nascer!E a barriga crescia, cada vez mais, e nada de nome! Ela já andava até com insônia, ela que sempre dormia cedo, agora tinha insônia! E comia, e engordava, e nada de nome para a pobre criança! Nem em sonho aparecia uma dica !E foi numa sessão-madrugadão, ela devorando alguma coisa no sofá, vendo um filme tenebroso - "A Filha do Diabo" _ nunca mais vira esse filme depois_ que a protagonista tinha um nome lindo, sonoro, mavioso, caiu como uma ficha! Era estranho, porque ninguém tinha esse nome. A madrinha dela achou esquisito, o pai enrrugou a testa, os sogros acharam que era mais uma maluquice, já estavam acostumados... imagina, ainda bem que não contara a história do Tuim! Com certeza a internariam!Seria aquele nome. Nome de Princesa. Como se comprovou mais tarde, quando uma professorinha muito simples casou com um Príncipe na Inglaterra e se tornou carismática até mesmo na morte.
E a Princesa da casa nasceu. Era o alvo de todos e todas as atenções!Não gostava de dormir sozinha como o Tuim. Pro Tuim, a mãe ainda meio atabalhoada com o primeiro filho, ligava um radinho ridículo azul de pilha e ele dormia! Ela não; gostava de embalo. De penumbra. E de blues. A mãe satisfazia todas as suas vontades.Depois que Tuim dormia, ela apagava as luzes, pegava um LP de Ray Conniff, escolhia uma faixa _ "Honey Come Back" e ela dormia imediatamente. Mesmo depois no sono, ela continuava embalando-a até terminar a música. A mãe gostava. O bebê ficou viciado! Só dormia com aquela música. Um dia a mãe resolveu trocar o repertório e sacou da estante uma lentinha do maluco-beleza, ela nos seus dois meses de idade apenas, esperneou, e resmungou, nem pensar, maluco-beleza não!!! Lá foi a mãe pegar o velho e gasto e arranhado "Honey..." again!
Passaram-se muitos anos e a mãe nunca mais ouviu aquela música, não lembrava mais nem quem cantava, nem esquecera a doçura daqueles momentos; não lembrava se era Glenn Miller, Ray Conniff ou Paul Muriat...até ela encontrá-la no Kazaa!A mãe da Princesa não sabe até hoje o que diz a letra...Mas deve ter tudo a ver!
17.08.03!

terça-feira, 20 de maio de 2008

Lua, Lua Cheia...

Desenho de Eduardo Uchôa-ZH


Ah, noites lindas de veranicos de maio,
noites frescas e amoráveis,
noites donzelas de se deitar sobre um tapete
nas alturas de um terraço
e sentir o perfume das flores que se escancaram pro calor....
Os dois botões de rosa sorrindo pra calidez da noite.
As pétalas suaves rosadas da azaléia,
Ali, no cantinho do amor do terraço,
vindo a mil,
esvoaçantes,
risonhas,
e escancaradas....
como se estivessem me saudando em alegrias!
As ipoméias enredaram-se por um fio obtuso,
esquecido na sua inutilidade,
e agora por todas as manhãs,
colorem-se de campânulas roxas
brilhantes ao sol.

O verde profuso se espalha
Por escadas,
Madeiras, muros e pedras, cercas, arames
Ah, meu verde tão destroçado,
Vigora agora
Incansável
E copioso.

E o vinho fresco,
gelado,
companhia serena.
depois de um dia duro
de muito trabalho,
de malhação,
de ferrenho labor,
de colheita,
de semeaduras ...

Ah, noites lindas de veranicos de maio,
Mais parecem aquelas doces noites
De eternas noites
De seco nordeste...


20/05/08

sábado, 17 de maio de 2008

Barco sem Rumo




Sou uma de tuas bonecas
que jogas pro lado
arrancas um braço
e torces o cabelo.
Sou eu uma teia
na qual te emaranhas
e te perdes em mim.

Sou eu um de teus tapetes
teu capacho que deitas
e rola, geme e se encolhe
sem entender por quê.

Sou eu tua música que voa solta
e vaga deserta esbarrando em árvores.
Sou teu barco sem rumo
sem amanhã, sem depois
sem açúcar, sem feijão.

Sou eu teu periscópio
que catas à noite
pedaços de estrelas
sonhos de lua
um pouco de paixão
um beijo molhado.

Sou eu teu porta-alfinetes
teu traveseiro
teu corpo suado
querido e devasso.
Sou eu um dos teus livros
que abres sem pressa
sem angústia
com carinho
e te delicias
em cada folha
em toda letra.

Sou eu teu guarda-chuva,
tua gaveta, teu colchão,
teu bicho selvagem
tua mata cascata riso ternura...

Sou eu tua bruxa tua maga tua gênia tua fada
tua estrela...
(Para o Renato, um gênio no piano)



Do terreno


A gente faz de conta
Que a vida continua
E vai regar os tomates....

1982

Memórias


Àquele que nunca nasceu

Àquele que nunca morreu

Àquele que nunca aconteceu.

Àquele que um dia eu encontrei

Intensamente,

Àquele que fez a vida e a poesia
Que trouxe o sol

E espantou a madrugada;

Àquele que se fez deus

E me fez chorar;
Àquele que trouxe as estrelas

E fez do casebre a realeza

Que trouxe a chuva, o orvalho, o canto, a alegria

A doce alegria das crianças,

A doce loucura da criança...

Àquele que com seu braço branco

Nunca me chegou.

1981


sábado, 10 de maio de 2008

Anjos

Picasso

Ai, com que doçura que elas foram chegando! Vieram como uma legião, uma turba, e eu, carente de momento, nem sabia que tinha tantos seres à minha volta...

Chegavam como cândidas asas angelicais dando conforto, palavras doces, olhares meigos, abraços cálidos...

Às vezes vinham aos pares, tais como asas de borboletas, adentrando pela porta principal, trazendo doçura, apoio, palavras amigas, doces apertos de mão e lenços invisíveis enxugando as minhas lágrimas.

Que seria eu sem esses anjos? Que valor eles têm e que só se revelam na nossa hora de aperto, de dor, de sufoco, de tristeza, de dor mais funda...?

Há aqueles outros anjos que não puderam me afagar com suas presenças, mas de longe me acariciaram, me mandando boas emanações, palavras de coragem, beijos cibernéticos.

Outros de mãos mágicas me curaram, me acariciaram, outros serviram vinho, fizeram jantinha, me cobriram pra melhor dormir...

Alguns estavam tão distantes... meses sem contato, sem tempo, o trabalho, a correria, a vida agitada de cidade grande, tudo afasta, mas bastou a dor e eles chegaram, sem nem pedir licença...foram chegando e se fazendo presentes.

Ah, meus anjos, minhas amigas, quando eu estiver bem longe daqui, noutro plano, ou neste, quem sabe, estarei ali, pertinho de vocês... fazendo o mesmo !

terça-feira, 6 de maio de 2008

La Marioneta




Se, por um instante, Deus se esquecesse de que sou uma marionete de trapo e me presenteasse com um pedaço de vida, possivelmente não diria tudo o que penso, mas, certamente, pensaria tudo o que digo।
Daria valor às coisas, não pelo que valem, mas pelo que significam.
Dormiria pouco, sonharia mais, pois sei que a cada minuto que fechamos os olhos, perdemos sessenta segundos de luz. Andaria quando os demais parassem, acordaria quando os outros dormem. Escutaria quando os outros falassem e gozaria um bom sorvete de chocolate.
Se Deus me presenteasse com um pedaço de vida, vestiria simplesmente, me jogaria de bruços no solo, deixando a descoberto não apenas meu corpo, como minha alma.
Deus meu, se eu tivesse um coração, escreveria meu ódio sobre o gelo e esperaria que o sol saísse. Pintaria com um sonho de Van Gogh sobre estrelas um poema de Mario Benedetti e uma canção de Serrat seria a serenata que ofereceria à Lua. Regaria as rosas com minhas lágrimas para sentir a dor dos espinhos e o encarnado beijo de suas pétalas.
Deus meu, se eu tivesse um pedaço de vida. Não deixaria passar um só dia sem dizer às gentes – te amo, te amo. Convenceria cada mulher e cada homem que são os meus favoritos e viveria enamorado do amor.
Aos homens, lhes provaria como estão enganados ao pensar que deixam de se apaixonar quando envelhecem, sem saber que envelhecem quando deixam de se apaixonar. A uma criança, lhe daria asas, mas deixaria que aprendesse a voar sozinha.
Aos velhos ensinaria que a morte não chega com a velhice, mas com o esquecimento. Tantas coisas aprendi com vocês, os homens…
Aprendi que todo mundo quer viver no cimo da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de subir a escarpa.
Aprendi que quando um recém-nascido aperta com sua pequena mão pela primeira vez o dedo de seu pai, o tem prisioneiro para sempre. Aprendi que um homem só tem o direito de olhar um outro de cima para baixo para ajudá-lo a levantar-se.
São tantas as coisas que pude aprender com vocês, mas, finalmente, não poderão servir muito porque quando me olharem dentro dessa maleta, infelizmente estarei morrendo.
Johnny Welch

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Homem Azul


Meu homem azul
Desbotou
Com o tempo.
Esmaeceu com a chuva
Encolheu com o sol.

Meu homem azul
Que era todo o mundo
Todo espaço
Todas as estrelas
Todas as cadentes
Todas as tangentes
Todos os meridianos
da terra!

Meu homem azul
Em que espaço
Foste parar?
Em que galáxia?
Em que umbral.
Em qual inferno
de Dante
chegaste
aterrissar?

Ah, meu homem azul
nem morrendo
te encontrar
de novo
eu quero!
31/12/07

quarta-feira, 30 de abril de 2008

O Tartufo

Às vezes ela fica relendo seus poemas, suas cartas, tudo aquilo que ela escrevera pra ele ao longo desses anos.

O que ela apenas vê foi que ela amou intensamente uma pessoa que não existe mais. Amou aquele rapaz meigo, carinhoso, poético, sensível, delicado que hoje nem sinal dele ficou. O que existe é apenas o negro das sombras . Sombra do passado apenas. Bronco, brusco, bizarro, apenas isso.

Decididamente, amou um fantasma por todos esses anos! Alguém que morreu e não deixou nem farpas de delicadeza, de sensualidade, de carinho, nada!

Hoje ela chora apenas o enterro desse cara. Nada restou. Nada ficou. A vida se encarregou de esfarelá-lo em todos os cantos de uma cidade, sim, de apenas uma cidade, pois que mais ele conhece além de uma ou duas cidades? Nada!

Ele está tão perto de dela, mas ao mesmo tempo, tão distante. É outra pessoa. Irreconhecível. Quando olha pra ele, tem somente a vontade de chorar. Chorar assim como quando se aproxima de um caixão e se chora por um ente amado que se foi. Ele se foi. E ela ficou. Do mesmo jeito que ele um dia lhe deixara. Nada mudou dentro dela. Ou pior, tudo muito mais se intensificou com o passar de todo esse tempo.

Ele mudou tanto que, se um dia ele tiver a oportunidade de ler isto, ele entenderá tudo do avesso. É assim, ele é o avesso do bordado. Por mais que se mostre o lado direito do bordado, ele só vê o avesso da vida.

O que ela mais lembra é da intensidade. A intensidade com que ela pensava nele, desejava ele do seu lado, e quando ela sentava nas areias longínquas e pensava nele, escrevia seu nome na areia como se aquilo fosse atraí-lo para ela como num passe de mágica! E quando ela sentava lá sob aquele coqueiro solitário, olhando o infinito no mar, e chorava pensando nele...

Só o que resta agora, é o som tristonho de um Chet Baker. É, Chet tem esse dom. Se estamos, alegres, ele nos alegra. E se estamos tristes, ele nos afunda. E nos encontramos na sua voz, no seu trompete.... até mesmo no seu suicídio.

Mas em tudo isso tem uma coisa boa: ela amou com toda a intensidade e com toda a pureza. E disso não se arrepende. Ele a enganou tantas vezes; mentiu tantas outras mil ( e ainda continua), e ela foi tão sincera, tão franca, tão ela. Nunca escondeu nada dele. E quantas ele lhe escondeu? Quantas vezes foi fraco? Mentiroso? Tartufista? Foram tantas...Que somente a uma conclusão ela chegara: ele está com ela porque não tem mais ninguém!

Se ele estivesse ali, por amor, seria muito diferente. Não seria o suporte que está sendo.

Pra ele, ela é apenas um amor chechelento.

No matter. O que mais importa agora é o que ela sempre sentiu de verdadeiro.

De novo ela quer viver. Viver! Não se entregar. Lutar. Sobreviver. Sugar cada gota de água da chuva, dar cada passo adiante, levar o braço a cada centímetro e ... sobreviver.


23/02/08 - Sábado

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Devastação


Ele chegou depois de muitos e muitos anos, dezenas de anos, e quando a gente pensa que quando algo demora, é por que vem pra valer, ele realmente viera pra valer!

Veio devastando tudo que encontrava pela frente! Destruiu arroios, rios, vales e montanhas. Destruiu vilarejos, aldeias, amores recém-edificados, crianças recém-nascidas, animais recém-cruzados, pontes recém-edificadas, poemas recém-elaborados, ninhos recém-construídos, até as trepadeiras nada recém-cultivadas ( mas de muitos e muitos anos celebradas), admiradas, edificadas, fotografadas...

Podem roubar seus poemas, suas noites fabulosas de bem-dormir, seu sossego matutino, sua paz, suas senhas, sua marca, mas, por Deus, não roubem o seu verde! Ve de verde. Ve de vida. E a menininha quer isso. Não o Eme da morte. A morte é para depois, muito depois da vida.

De seus poemas, ele nunca mais lera. De suas crônicas, apenas a ignávia. De seu antigo amor, apenas o ignóbil.

Não sobrara nada! E nem com a melhor das boas-vontades restara algo de toda aquela devastação.

E a garotinha, ali, perdida meio que perdida, no meio de toda aquela ventania, olhava estapafúrdia, perdida mais que perdida e, entre boquiaberta e assustada, pensava, onde vim amarrar minha cabrita?!?

terça-feira, 8 de abril de 2008

Cobra Criada ( Ou O Covil )




"Eu sou cobra criada
E tenho muito veneno
Sou neto da madrugada
E afilhado do sereno
Quero respeito comigo
Que eu sou bom amigo mas brigo à toa
É só nao errar, malandragem
Que tu fica numa boa
Minha mulata não é viola
Pra vagabundo tocar
Nem tampouco é microfone
Pra amigo da madruga conversar
Eu sou cobra criada
E tenho muito veneno
Sou neto da madrugada
E afilhado do sereno
Vagabundo é igual o capim
Que nasce em qualquer lugar
Eu cheguei, estou chegando
Vim aqui pra capinar
É, mas ali moram uns malandros
Que precisam apanhar
Parece cachorro com gato
Toda hora quer brigar
Eu sou cobra criada
E tenho muito veneno
Sou neto da madrugada
E afilhado do sereno"
Do saudoso e sábio Bezerra da Silva

sexta-feira, 21 de março de 2008

Porcas no Cio


Porcas quando entram no cio, empinam as orelhas, tesas, apontando pro alto, penso que as orelhas sejam seu símbolo fálico... Ficam indóceis, renegam a comida, ranzinzas e impacientes e andam com o focinho inclinado pra baixo numa atitude típica de desolamento. Algumas pulam a cerca, ops, nada a ver com a velha expressão civilizada de “pular a cerca”, elas pulam literalmente a cerca do chiqueiro e vão extravasar nos arredores a sua indocilidade.

Uma mulher pode ficar no cio por meses _ basta ter amor e o sexo ser sensacional...

Um homem, apenas um único homem é capaz de destruir o cio de uma mulher. Desconfio que até mesmo o de uma porca ele seja capaz de destruir...

Uma porca no cio se torna agressiva, voluntariosa, decidida a tudo fazer pra ter seu porco do lado, pra sentir suas carnes fartas e sua gordura benfazeja até saciar sua libido.

Porcas no cio, sentam no gramado à noite de olhos pra lua... e suspiram...

Porcas no cio sobem pro terraço do chiqueiro pra sentir a noite e sua calidez...

Porcas no cio pegam na caneta e escrevem em qualquer papel... apenas pra transbordar.

Porcas no cio têm sonhos estranhos, indefiníveis que quando acordam, nada de nada lembram...

Porcas no cio saem pra noite, apenas pra sentir a fresca e se dizerem felizes

Ah, porcas no cio são elegantes, sensuais, formosas e voluptuosas... porcas no cio me enternecem...

Uma porca no cio é a escória para muitos homens.

Ninhos de Amor


Tá, tudo bem, no final do ano passado, foram as borboletas que invadiram minha casa copulando e se locupletando de todos os cômodos!

E agora, é a vez dos sabiás! Estão espalhados pelo jardim, pátio, pitangueiras e cerejeiras! E, para minha felicidade, construíram um ninho de amor; a fêmea está lá, dia e noite chocando seus ovinhos. Pior, tem mais outro ninho! Mas eu e o Marcos ainda não conseguimos localizá-lo...

Beleza! Nestes quinze anos em que moro aqui, nunca nenhum passarinho construiu seu ninho... e agora vêm estes, bem em frente ao janelão de vidro da cozinha, se assentarem como posseiros do MST! Estão lá, instalados entre os galhos da videira e os do ipê roxo. Sejam bem-vindos.

Pelo Feng Shui, quando eles vêm, são “bênçãos”. Sempre que se aproximam de nós ou de nossas casas são para trazer alegrias e dias auspiciosos.

Que assim seja!

quinta-feira, 20 de março de 2008

Tropel





Mal o dia ressurgira da noite tempestuosa, deitada de bruços, eu ainda sentia a areia no lado direito do rosto, areia morna, áspera, os olhos ainda fechados, e jazia exangue da noite turbada. Minha embarcação, outrora tão sólida apesar dos anos, soçobrara na escuridão da tormenta.

Lembrava apenas do inferno que fora a noite passada. Estaria morta? Não o sol já ardia na pele. Estava viva com certeza. Só lembrava de como me debatera; minhas mãos sangravam no timão, lutando contra as ondas; algumas mais fortes me jogavam , uma jovem maruja, de encontro à balaustrada da embarcação. Ondas fustigantes, gélidas pela noite, furiosas depois de uma semana de ressaca marítima pareciam impiedosas. Estava realmente tudo muito calmo para um mar de agosto. Inevitável a tormenta. Por um momento eu fora jogada contra a proa do barco, a dor fulminante do lado das costelas parecia-me ter partido ao meio...arrastei-me pelo tombadilho escuro e escorregadio, minhas mãos tatearam um cabo de aço, levantei-me com dificuldade, sentia o gosto de sangue na boca misturado à água da chuva, não me importei, e mais outra onda jogou-me longe assim quem me pus em pé.

Pus-me em pé e tentei abrir a portinhola do porão. Estava emperrada. Tinha vontade de chorar, mas me contive. Tateando no escuro, tentei encontrar o arpão que deveria estar jogado por ali. Inútil encontrá-lo. Com ele, poderia abrir a portinhola. E mais outra onda gigantesca me joga agora contra a cabine da embarcação. Tonta, tento me levantar. Estava cansada. Por que lutar? Por quê? Seria fácil demais não lutar; deixar o corpo escorregar devagarinho até o mar ou esperar que o barco virasse de vez...e tudo estaria acabado! Os braços cessariam de doer; aquele frio da água me cortando o coração, não sentiria mais o sangue escorrendo...

Mas meus pensamentos se voltavam à terra firme. Eu tinha tanto a fazer ainda. Não seria uma tempestade de nada que me faria desistir de seguir minha rota.

O barco não tinha mais controle. Ele era jogado violentamente qual folha seca num redemoinho. E eu ia junto a cada movimento brusco de um lado para outro; tentava me manter segura no tombadilho, mas meus braços já não tinham mais forças; minhas mãos estavam cansadas e por demais doridas; o peito arfava e mais outra onda me jogava para longe! Sabia que meu fim estava próximo. Aquele inferno não poderia durar eternamente. Uma hora teria que acabar. Agora sentia-me incapaz de racionalizar qualquer ação de imediato. Era jogada à mercê do mar; apenas um joguete; alguém brincando de deus comigo.

E assim fora toda a noite, açoitada pelos ventos, as ondas gigantescas, o frio insuportável...uma eternidade aquela noite.

Agora estava eu ali, sentindo o cálido sol em minha pele, a roupa ainda molhada grudada no corpo, fui abrindo devagarinho os olhos, estava com medo de abri-los, mas fui abrindo, os braços pesavam doloridos e lanhados, mal podia mexê-los; as pernas chumbadas no solo, nem as sentia...finalmente arregalei apenas um olho, pois o outro ainda estava enterrado, meio encoberto...e vi que estava viva ! Sobrevivera. Virei a cabeça. Conseguira mexer o pescoço. Sinal que a coluna estava intacta. Só as pernas continuavam imóveis. Passados alguns segundos, mexo os dedos dos pés, espreguiço-os, dobro um joelho, sinto calor nas pernas, e empurro o lençol rosa de algodão macio para os pés da cama...

Viro-me de costas, e olho o teto, o céu lilás cheio de estrelas coladas ainda na semana passada.

Estou viva. Ainda!

O Mega Escroto




Ele tinha aquela mania nauseabunda de coçar o saco e depois cheirar as pontas dos dedos; mais precisamente as unhas grandes, usadas meticulosamente para tocar violão nas rodas de baladas. Um dia ela reclamou dessa mania nojenta, mas ele sempre tornava a fazê-lo quando achava que ela não estava olhando. Porém, ela sempre via com o rabo dos olhos e ficava com vergonha de repetir a dose de reclamação.Ela não sabia que saco fedia, mas ele esclareceu: ele tinha micose na região escrotal.E, assim, foram se somando outras tantas pequenas misérias.Ela não sabia como agüentara cinco meses aquela criatura e os seus acessos de grandeza, estes com certeza para compensar a escassez peniana (o que nem de longe seria um defeito, quando bem usado), mas nem quanto ao seu uso ele possuía algum dom que pudesse compensar.Sua limitação peniana era tão proeminente que se tornava difícil manter o pênis no lugar adequado; ele escorregava e o seu excesso de pele ajudava a dificultar mais ainda a penetração. Por várias vezes, ela tivera a leve sensação de estar ao lado de uma mulher na cama, ainda mais com aquele cabelo comprido e o indefectível rabo-de-cavalo.A configuração escrotal também não deixava de ser chocante! Ela descreve magistralmente que ambos pareciam ser uma mini-pizza e do meio da banha surgia aquele botão incipiente chamado pênis!Ela, uma morena linda, alta, com uma encaracolada cabeleira negra, deveria ser um contraste gritante com aquela figurinha esquálida "em todos os sentidos".Fê gosta de relembrar dos dentes da figurinha - onde não havia um espaço, havia um podre! Bem, o bafo nem precisa descrever!E foi só depois de algumas semanas que ela descobriu que o impecável apartamento da criatura, na verdade, era de sua irmã. Que dele não havia nem um radinho de pilha daqueles de camelô mesmo!Hilária mesmo foi a história da "Divina Comédia"! Ele comentava tudo como se tivesse lido todas as obras de Dante, Dostoievski, Ibsen, até que um dia ela descobriu que o único livro que ele lera fora uma obra umbandista emprestada de um parente!!!Aí, eu acho que finalmente ela caiu do cavalo! E resolveu apear!Ah, ia esquecendo o lado "místico" da criatura! Era seu costume tecer comentários aleatórios, instigantes que faziam o pessoal da "roda de baladas" imaginar que estavam à frente de um novo guru do segundo milênio. O que ele dizia fazia a gente matutar nas profundezas do inconsciente...Bem, uma coisa devemos considerar - ele tinha classe pra enganar tanta gente. Ou memória! Juro que eu não tenho uma memória tão privilegiada a ponto de ouvir uma frase de efeito de algum perito e depois repeti-la enfaticamente, deixando todos boquiabertos!Logo de início, o Mega contou de suas viagens a Portugal e das cinco vezes que fora a Cuba. Como ela adorava viajar, ela inquiriu detalhadamente sobre Portugal, e é claro, ele se perdeu, e ela sacou, e ele desviou remendando: conhecera Portugal em "outras vidas"!Como ele tava sempre "duro" ( de grana , é óbvio!), ele inventava assaltos. Os impiedosos ladrões levavam tudo – cartões, cheques...e a grana!" Um dia, ela perguntou: "Mas e o violão? Por que não o levaram???- É imantado! Respondeu ele com aquele olhar misterioso conhecedor dos truques mágicos...Fora marcado um show pra ele. O Mega programou uma megaprodução - 400 incensos seriam distribuídos na porta do teatro e 400 velas iluminariam a noite. Celestial, não?Compareceram nove pessoas, sendo que oito eram da família!Mas a parte mais hilariante eram as visões que ele tinha na madrugada! Costumava contar que via espíritos guerreiros à volta da cama e o embate ocorria inevitavelmente com estes personagens. E ele descrevia fielmente estas lutas: quando ele estava perdendo a batalha para estes seres fantasmagóricos,surgia uma outra figura benemérita para salvá-lo - o Cacique Beira-Mar!Quando o conheci num churrasco na cobertura do apê da Fê (até que rimou!),achei uma coisinha estranha nele - ele não olhava nos olhos da gente!A segunda vez que eu o vi foi lá na Lancheria do Parque; eu estava com meu amigo Stefan pra curtir uma ceva geladinha. Fiquei na dúvida se o cumprimentava ou não. Optei pelo não. Preferi o silêncio inteligente do meu amigo.Acertei.PS: Se você encontrar um escroto ambulante nas ruas da Cidade-Baixa, caia fora! Ele é envolvente, boníssimo e toca violão.Mas, mas amiga, caia fora